Memórias de Portugal
Mapa cor-de-Rosa
Quando em 1890 Serpa Pinto fez uma incursão à frente de um grupo de militares, com a intenção de arriar a bandeira inglesa junto ao lago Niassa, Paiva Couceiro também entrava em Barotze vindo do Bié Angola; que numa atitude concertada, entravam em território que os ingleses consideravam seu; na verdade foram os ingleses que romperam com o acordo de neutralidade, ao colocarem a sua bandeira em território que anos antes tinha sido acordado ser neutro.
Ambos estavam longe de imaginar, o terramoto político e financeiro que tinham acabado de causar em Portugal; dando lugar ao ultimato inglês que levou o país à banca rôta 2 anos mais tarde.
Com o Brasil há seis décadas fora do Império, Portugal iria tentar estabelecer uma ligação terrestre do Atlântico ao Índico (o famoso mapa cor-de-rosa), que iria colidir com a anunciada ambição inglesa, de ligar uma linha ferroviária do Cairo à Cidade do Cabo.
Serpa Pinto
O pretexto que Serpa Pinto deu aos ingleses foi para eles a cereja no topo do bolo; uns anos antes por motivo idêntico, a França e Inglaterra estiveram à beira de um conflito; e quem conhecer o mapa político de África até aos anos 60 sabe do que estou a escrever; os Ingleses deixaram sempre o seu nome bem patenteado por onde passaram, à exceção da antiga Rodésia agora o Zimbabwe.
Quanto aos portugueses, saíram de África 500 anos depois de lá terem chegado, e trouxeram com eles mais de 1.2 milhões de deslocados e retornados; muitos deles, nunca antes tinham pisado o solo português.
Portugal foi ao tempo, protagonista da maior fuga aérea de sempre entre a África e a Europa; as reais consequências deste drama, que não serviu nem salvaguardou os interesses das partes, ainda estão por sarar e contabilizar; o nosso país nunca mais, conseguiu recuperar deste trauma.
Existe uma realidade que não podemos esconder; todos os países excluindo a África do Sul e a Rodésia, queriam ver Portugal fora de África.
Voltando ao ultimato inglês que foi entregue a 11 de janeiro de 1890 a mando de Lord Salisbury, que ao tempo era primeiro-ministro britânico, estava em causa uma “velha ambição” que Portugal já tinha reclamado em 1885 na conferência de Berlim; nada menos que uma ligação de contracosta de Angola a Moçambique que tinha o apoio da Alemanha e a neutralidade da França, mas os Ingleses tinham outras ideias quanto ao domínio e influência no Continente africano.
Se não fosse a atual situação que vivemos no nosso país, eu tentaria apagar da minha memória este triste episódio da História de Portugal; só que, deu motivações a um grupo de criminosos para levarem a termo o regicídio, que dois nos mais tarde ditaria o fim da monarquia em Portugal; passados 111 anos, o resultado da mudança está à vista de todos.
Convém lembrar as consequências da ação irrefletida de Serpa Pinto e Paiva Couceiro, que na época foram considerados heróis; sendo inclusivamente o primeiro, nomeado para um dos mais altos cargos-militares o de ajudante de campo do rei.
Paiva Couceiro
A subserviência aos ingleses política e financeira resultantes do ultimato, tiveram graves consequências para Portugal; como por exemplo a participação portuguesa na primeira guerra Mundial, ao abrigo dos novos acordos luso-ingleses, onde só na batalha de La Lys a 9 de abril de 1918 o corpo expedicionário português deixou para trás milhares de mortos; números que ao tempo foram omitidos aos portugueses pela República, porque enviaram para a morte soldados preparados à pressa e desmotivados, para enfrentar uma força militar bem preparada e alimentada.
Os franceses honraram e bem os nossos heróis, com um monumento no cemitério de Richebourg; quanto aos ingleses, pagámos a 30 de março de 2011 a última “tranche” da (dívida contraída a Inglaterra em 1892), ao abrigo dos acordos após ultimato.
Portugal nunca mais recuperou totalmente do ato irrefletido de dois oficiais superiores; nos 10 anos seguintes 1918/1928, o país viveu em estado revolucionário diariamente, o que deu origem à primeira grande vaga de emigração dos portugueses; entre as dezenas de milhares que tiveram que deixar o seu país, estavam os meus avós paternos, que rumara em 1919 para Fall River Massachusetts nos Estados Unidos.
A América foi duramente atingida após o final do primeiro conflito Mundial; com as fábricas a fecharem por motivo da guerra ter acabado, seguiram-se anos de extrema pobreza com a recessão à porta, e o desemprego a subir em flexa.
A pouca oferta de trabalho (dizia-me a minha avó) apenas dava para comprar pão e pouco mais; o que veio a ditar a pouca sorte do meu avô, que faleceu com tuberculose dois anos depois de ter chegado aos EUA , tinha apenas 31 anos de idade e o meu pai 6 meses.
A minha avó acabaria por regressar a Portugal em 1932, a um ano da “crise” ter atingido o pico, tinha o filho acabado de fazer 12 anos; nunca mais regressaram à América o país onde meu pai nasceu-
Entretanto a recessão já tinha atravessado o Atlântico, onde a Alemanha foi o país mais atingido.
O que aconteceu depois a história fala por si; foram 55 milhões de mortos no segundo grande conflito Mundial, e o que vem a seguir não se sabe, porque o passado não nos serviu de lição.
Por ironia; os responsáveis no passado e também no presente pelos danos causados a Portugal e aos portugueses, terão sempre a garantia de que os seus nomes, sejam ostentados em placas toponímicas nas nossas vilas e Cidades.
Tanto nos dias de hoje como no passado, a fuga dos portugueses continua em busca de uma vida mais digna; a única diferença, é que os aviões não chegam de África superlotados de refugiados vindos das ex-colónias, mas partem em todas as direções do Globo terrestre, com lotações esgotadas pelos nossos emigrantes em busca de trabalho; para trás deixam as suas famílias, Cidades, Vilas e aldeias onde nasceram.
OBS: Às comunidades portuguesas espalhadas pelo Mundo, aos nossos retornados de África, e a todas as crianças e jovens do nosso país; a quem lhes espera como herança, uma mão cheia de nada.
J. Vitorino – Jornalista – Diretor