A Diretiva Comunitária do Whistleblower (4), por Pedro Carrilho Rocha
A Diretiva Comunitária do Whistleblower – Direito a Denunciar ou o Direito de Violar a Privacidade de outrem?
A figura jurídica do whistleblower surgiu atenta a necessidade de proteger os denunciantes, partindo da premissa inicial de os mesmos os são vitais para manter uma sociedade aberta e transparente, atento o facto de exporem a má conduta ou ameaças ocultas.
Para garantir que estão mais bem protegidos contra consequências negativas das suas ações, surgiu a Diretiva 2019/1937 da UE sobre a proteção dos denunciantes filhos whistleblower’s entrou em vigor em 16 de dezembro de 2019.
Denotar que, os objetivos da Diretiva de Denúncia da UE são: Para detetar e prevenir a má conduta e violações de leis e regulamentos, Para tal, entendem as instâncias comunitárias, que tal diretiva será um instrumento suscetíveis de melhorar a aplicação da lei, estabelecendo canais de denúncia eficazes, confidenciais e seguros para proteger eficazmente os denunciantes do medo de retaliação, de proteger e capacitar os denunciantes, ajudando-os a levantar preocupações com confiança, sem medo de retaliação, garantindo o anonimato.
Esta temática teve um especial enfoque no caso mediático português, o denominado Caso Rui Pinto.
Não pretendo debruçar-me sobre as especificidades do caso em si, mas sim sob o conflito implícito, que passou ou passa quase incólume e impercetível para uma sociedade, face às fronteiras que se poderão ou permitir serem transgredidas.
Refiro-me assim, ao conflito inerente do direito á informação e exposição de factos lícitos ou mesmo ilícitos, através de todos e quaisquer meios que forem tidos como necessários, mesmo que ilegais, para um suposto valor ou bem superior, assim idilicamente considerado.
Do outro lado ou no prato de uma balança, os direitos fundamentais e constitucionalmente consagrados, como o direito á imagem, reserva da vida privada, inviolabilidade de correspondência e de domicílio, os quais detém total proteção sendo a sua violação, tipificada como um ilícito criminal.
Pelo que, neste equilíbrio de uma balança, encontra-se no mesmo prato toda a proteção do cidadão enquanto indivíduo.
Este conflito ou jogo de equilíbrios, entre os pratos da balança e o seu pendor para qual dos seus lados se inclinará, trará como resposta a sociedade pelo qual se irá reger toda uma sociedade, sacrificando ou não os direitos fundamentais de cada indivíduo.
Com a evolução tecnológica, é comum e com relativa facilidade, a intromissão vulgo hack, dos computadores, mails etc.
Tal representa uma violação da privacidade, propriedade do indivíduo, sendo naturalmente um ato ilícito, mas a tentativa de descriminalizar essa atuação, com a diretiva Comunitária, não representa ela mesmo um sacrifício dos direitos fundamentais dos indivíduos, sacrificados por um bem maior supostamente geral e coletivo?
O que está em verdadeiramente em causa?
O direito individual de cada individuo de ter o direito á privacidade do presente nos seus equipamentos eletrónicos, telemóvel, computador, mail, ou o direito de ser invadido, hackeado ou devassado?
Tendo por objeto de proteção o bem jurídico «reserva da intimidade da vida privada», protegido nos termos do artigo 26.º da Constituição, o crime de devassa da vida privada encontra-se previsto no artigo 192.º do Código Penal.
O tipo criminal em questão envolve a conduta de, sem consentimento e com intenção de devassar a vida das pessoas, designadamente a intimidade da vida familiar ou sexual, por exemplo captar, fotografar, filmar, registar ou divulgar imagem das pessoas ou de objetos ou espaços íntimos.
Ou tendo por objeto a proteção do bem jurídico, protegido nos termos do artigo 26.º da Constituição, o crime de violação de correspondência ou de telecomunicações, encontra-se previsto no artigo 194.º do Código Penal.
O tipo criminal em questão, envolve a conduta de sem consentimento abrir encomenda, carta ou qualquer outro escrito que se encontre fechado e lhe não seja dirigido, ou tomar conhecimento por processos técnicos do seu conteúdo, ou ainda impedir por qualquer meio, que seja recebido pelo destinatário.
A pergunta a ser colocada a cada um de nós enquanto seres individuais, será que os fins justificam os meios utilizados?
Quem decidirá o que é um bem-estar coletivo superior?, será que a regra passará a ser a violação gratuita da privacidade de cada um?
Um suposto bem coletivo, afinal justifica um ato ilícito com devassa da privacidade de um individuo?
Pedro Carrilho Rocha – Advogado