Memórias do nosso passado,1640 por J. Vitorino
A batalha de Aljubarrota a 14 de agosto de 1385, e a restauração da soberania de Portugal a 1 de dezembro de 1640, são as datas mais marcantes da nossa história; porque completaram o ciclo, que nos afastou definitivamente de Espanha.
Vamos recuar no tempo 383 anos.
D. João VIII Duque de Bragança, era o nome que reunia maior consenso para ser rei de Portugal, se tudo corresse de acordo com o plano dos conjurados, que tinham a seu favor a situação de sublevação na Catalunha pelo que, aquela era uma oportunidade a não perder.
Tudo terá sido organizado em completo secretismo, e teriam avançado antes se alguns não tivessem recuado com receio de perderem a vida; e também existiram delatores, já depois de terem aderido ao movimento.
Entretanto já teria chegado ao conhecimento dos espanhóis alguns nomes dos 40 nobres envolvidos na conjura, pelo que já não havia nada a perder.
Receosos pelos acontecimentos nas últimas horas, alguns dos conjurados pensavam que a insurreição seria um suicídio; no entanto e para surpresa, todo o plano foi executado com um enorme sucesso.
D. João IV Restaurador de Portugal
O Duque de Bragança era à época dos acontecimentos o homem mais rico da Península Ibérica.
Os revoltosos chegaram a aclamá-lo como rei D. João IV, que consciente da sua legitimidade dinástica e da grandeza da Casa de Bragança, mas D. João agiu sempre com prudência; evitando precipitar os acontecimentos, e procurando uma oportunidade adequada às circunstâncias para intervir.
Esta atitude seria inicialmente mal interpretada, e sido acusado de não querer assumir responsabilidades em ações de resultados duvidosos; na verdade, ele não podia colocar em risco os privilégios e a sua enorme fortuna; e também sabia que em caso de fracasso, todas as portas seriam fechadas a novas tentativas.
O desânimo provocado por esta suposta posição do Duque de Bragança, levou alguns fidalgos a contactar o seu irmão D. Duarte que se encontrava na Alemanha, para lhe propor a liderança do movimento insurrecional.
Para o Conde-Duque de Olivares um homem reconhecidamente inteligente, a situação não passava despercebida; e a importância e o perigo que constituía a crescente onda de interesse e simpatia pela figura de D. João, era uma ameaça que não podia ser descuidada; até porque Aljubarrota, ainda estava na memória passados 255 anos.
Entretanto os acontecimentos precipitam-se, porque o Conde-Duque de Olivares já estava informado de que D. João seria o escolhido para futuro Rei de Portugal; por isso seria preciso afastá-lo quanto antes de Portugal, oferecendo-lhe o cargo de Vice-Rei de Milão o que foi recusado pelo Duque, alegando o seu desconhecimento das questões internas da Lombardia.
O Conde-Duque de Olivares insiste em o afastar, e nomeia-o governador das armas do Reino de Espanha, com o pretexto de que a armada francesa ameaçava as nossas costas, sendo necessário preparar urgentemente a defesa.
Ao mesmo tempo, vai criando condições para apanhar o VIII Duque de Bragança em falta, e recomenda-lhe que passe revista a todos os quarteis e fortalezas do Reino, ordenando secretamente aos respetivos comandantes, que o prendam e que seja enviado para Madrid sob escolta.
Avisado a tempo D. João faz-se acompanhar por uma comitiva de fidalgos seus amigos, que para além de não ter sido molestado, até viu aumentar o seu prestígio.
Por ironia, é o agravamento na Catalunha que vai desencadear os acontecimentos.
Na segunda metade do ano de 1640 a situação dos catalães agrava-se, e os abusos das guarnições castelhanas que ocupavam o nosso país era preocupante, pelo que foi várias vezes denunciada; não tendo obtido qualquer resposta do Conde-Duque Olivares, os revoltosos matam o vice-Rei, e pedem ajuda a França.
A Espanha tem agora várias frentes de instabilidade, o que favorece os conjurados portugueses; já não é só em Barcelona onde existem tumultos, mas também em Gerona, Balaguer, Lérida e Olot, e simultaneamente as forças francesas sitiaram Tarragona.
O Conde-Duque de Olivares, pensa tirar partido da grave crise em que o Reino de Espanha está mergulhado, apostando na mobilização de toda a nobreza de Portugal, incluindo o Duque de Bragança para integrar o exército que iria desencadear ações de retaliação contra os catalães, e manda paralelamente proceder ao recrutamento de soldados em todo o país.
Este plano, e o consequente encaminhamento dos portugueses para combater a insurreição na Catalunha, fizeram ultrapassar as hesitações ainda existentes, e o movimento restaurador toma forma irreversível.
Não obstante as condições favoráveis ao desenrolar dos acontecimentos, não terá sido fácil convencer D. João VIII Duque de Bragança a aceitar a coroa de Portugal.
Um grupo de fidalgos e nobres onde se incluía Pedro de Mendonça Alcaide-Mor de Mourão, amigo e companheiro de caça do Duque e visita frequente de Vila Viçosa, conjuntamente com Jorge de Melo, D. Francisco de Melo III Marquês de Ferreira, e D. Afonso de Portugal Conde de Vimioso todos parentes do Duque de Bragança, conseguiram finalmente convencer D. João a aceitar a Coroa.
Para tal, contaram com a ajuda da Duquesa de Bragança D. Luiza de Gusmão que mesmo sabendo que podia correr perigo de vida, disse ao Duque que tinha o seu total apoio, e que lhe terá dito a famosa frase para o animar; “vale mais ser rainha por um dia, do que Duquesa toda a vida”.
Para além dos já acima referidos, também estiveram presentes D. Miguel de Almeida, António de Saldanha, e João Pinto Ribeiro que era o elo de contato entre o grupo e a Casa de Bragança.
Os conjurados manifestaram a sua desilusão pelas hesitações de D. João acusando-o de indeciso; mas João Pinto Ribeiro procurou justificar a atitude do Duque, chamando a atenção para as consequências de ações precipitadas; concluindo que, se a aclamação do Duque como rei de Portugal era a solução, então que o aclamassem mesmo sem o seu consentimento.
Os conjurados inicialmente concordaram, mas todavia decidiram avisar D. João acerca dos seus propósitos, e insistir uma vez mais em que ele aceitasse a Coroa.
Assim, incumbiram João Pinto Ribeiro para ser o porta-voz do grupo, mas este sugeriu que fosse Pedro de Mendoça que aceitou de bom grado a missão, partindo imediatamente com destino a Évora, onde iria dar a conhecer a decisão dos conjurados ao Marquês de Ferreira e ao Conde de Vimioso, para que de imediato informassem D. João Duque de Bragança.
Dirigiram-se de imediato à Tapada que era uma das maiores da Península Ibérica, onde D. João praticava frequentemente a caça ao gamo e ao javali, que era o seu passatempo favorito; aproveitando uma altura em que este se encontrava isolado dos seus monteiros, Pedro de Mendonça abordou-o de forma firme e disse-lhe; venho pedir-lhe em nome de quase toda a nobreza do Reino, que aceite a Coroa.
Argumentou o descontentamento do povo, e o grande número de aderentes ao movimento restaurador, dispostos a sacrificar a vida pela independência de Portugal.
O fator surpresa, a guerra entre a Espanha e a França, e a insurreição na Catalunha foram determinantes, para o sucesso da Revolução de 1640 tivesse sido coroada de êxito.
OBS: À memória de D. João IV e dos conjurados, cuja coragem e patriotismo devemos este belo país que é Portugal.
J. Vitorino – Jornalista – Diretor