Democracia Sufrágio Tolerância e Hipocrisia, por Pedro C. Rocha
O verdadeiro sentido da democracia está na possibilidade de o cidadão exercer a soberania popular, que se concretiza pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, na escolha dos seus representantes. Daí, o eleitor tem em suas mãos um importante instrumento de mudança: o voto.
São as eleições que legitimam os regimes democráticos e consequentemente as organizações e Ordens Profissionais, e se uma grande parte da população eleitoral, sobretudo se esta parte for superior a metade da população com capacidade eleitoral, não votar então estaremos perante um problema de legitimação da governação e, de facto, quando a percentagem é muito alta estamos perante um sinal claro de que a maioria da população eleitoral procura uma mudança no regime democrático ou sujeito a sufrágio.
A título de exemplo, os altos níveis de participação nas eleições da democracia portuguesa foram, à época posterior ao 25 de Abril, e ainda hoje podem ser interpretados assim, um sinal de clara adesão dos cidadãos ao novo regime. E, com efeito, estas eleições serviram para estabelecer em alicerces mais sólidos a democracia em Portugal, graças a uma fortíssima (e jamais superada) taxa de participação eleitoral: a muito baixa abstenção na eleição para a Assembleia Constituinte de 1975.
Esta indicou que o novo regime democrático colhia um amplo apoio por parte da população e serviu para legitimar o regime e repelir qualquer desvio autoritário que poderia ter surgido nesta fase da reimplantação da democracia no nosso país.
Mas o oposto também é verdadeiro: as baixas taxas de participação eleitoral actuais estão a colocar em causa a legitimidade dos eleitos em liderar e realizar, de forma eficiente, os seus programas.
O facto de a abstenção ter alcançado uma percentagem consistente de metade do eleitorado deve merecer a reflexão e acção urgente por parte de todos.
Contudo, não existem os mecanismos de estímulo que poderiam levar a que duas opções dois que, juntas, têm o poder de reunir dois terços dos de maioria, o que permitiria, alterar as leis eleitorais, que poderiam reverter a situação e, consequentemente, não é de esperar que algo seja feito neste sentido nos próximos tempos.
A convicção de que “o voto não muda nada”, na linha do pensamento da anarquista Emma Goldman que escreveu que “se o voto mudasse alguma coisa, já o teriam tornado ilegal”.
Esta será uma recusa em votar com base ideológica não só porque se acredita que o voto é uma forma ineficaz de acção, mas porque o acto de votar é encarado como uma forma de consentimento ou aceitação de um regime democrático.
Nesta linha de pensamento votar num candidato implica aceitar a liderança ou propostas do vencedor, mesmo se discordarmos amplamente das suas políticas e diretrizes.
Existe um sentimento de não-representação em nenhuma das opções de voto. Convicção de que, seja qual for o resultado de eleições, este implicará sempre a manutenção da situação, do status quo.
A crescente descredibilização das propostas, indivíduos e grupos que se sujeitam a escrutínio, levam a que se análise os vários estudos europeus os quais indicam, que existe uma ligação entre os níveis de apreciação dos líderes e das propostas e os níveis de abstenção. Isto é um subproduto da crescente “fulanização” das opções e parece imune a noções de política geral, ideologia ou mesmo aos programas que esses líderes levam a sufrágio.
Alguns politólogos (como Mark Gray e Mili Caul em 2000) associaram o aumento da abstenção à perda de relevância social dos candidatos
A qualidade das campanhas eleitorais: com recurso à violência verbal, argumentos de carácter, assim como debates com descontextualização, no domínio estritamente eleitoral tende a diminuir a participação. Sublinhe-se, contudo, que a competitividade eleitoral funciona como um fator que contribuiu – na maioria dos países europeus, para um combate á abstenção, votos em branco e nulos.
O voto em branco e e a abstenção todavia, detém um significado político próprio: o eleitor não atribui a nenhuma opção, capacidade e competência necessárias para liderar, um país, associação, coletividade ou proposta, da forma que ele, enquanto eleitor, entende ser a mais correcta.
Os brancos e nulos têm vindo a aumentar, mas continuam a ser um pequeno resto a que não se dá importância. Mas imagine-se que os votos brancos e nulos passam a 10% dos votos expressos! Isto, legalmente, não teria impacto, mas politicamente seria uma pedrada num charco pantanoso em que se encontra.
Ninguém poderia ignorar que 10% de votantes anseiam conseguir votar numa opção digna, esclarecedora e digna de os representar e defender os seus direitos.
Podem ser os propostos ou mesmo as propostas, para o que se teriam de renovar, ou uma hipotética nova solução, o que obrigaria os proponentes e as propostas a renovar-se. O resultado de 10% de votos brancos seria o mesmo: um valente susto na classe instalada, num poder a que só os actuais têm acesso.
Num verdadeiro universo multi opcional, o voto em branco tem de facto pouca expressão: cada eleitor conseguirá sempre rever-se nalguma opção.
O voto em branco ganha importância por um lado, quando as propostas, ou candidatos, não mostram diferenças significativas entre si, agindo de uma forma suposta corporativa, quando na realidade agem sim, na defesa dos seus próprios interesses e, por outro, quando lhes é retirada a capacidade de decisão sobre as questões centrais ao futuro da organização, coletividade, associação ou país a que pertencem.
Estas são duas situações que podem ocorrer em simultâneo. nesse caso, torna-se quase recomendável reforçar o significado do voto em branco, o que é um cenário que entendemos plausível
Quando presenciamos o crescente descontentamento na sociedade, a respeito dos seus diversos dirigentes em vários quadrantes e organizações, face às suas políticas, orientações e opções questionamo-nos se isso terá um impacto direto nos resultados eleitorais.
A sistemática reivindicação do voto útil por diferentes candidaturas, não representa uma alternativa nem séria, nem coerente para um eleitor. Votar em branco significa que o sistema não pode continuar a ser mais o que tem sido nas últimas décadas. a rotatividade das maiorias tem de ser merecida e não aceite por defeito! As políticas e opções têm de ser profundamente repensadas!
É bem verdade que o voto em branco, assim como o voto nulo e a abstenção, não legitimam ninguém para liderar, contudo retira legitimidade a todos quantos se apresentem a eleições sem merecerem a nossa confiança. mais do que nunca é o que está em causa numa futura composição de Órgãos Colegiais e propostas referendárias.
É o método de Hondt um método justo? Não me caberá a mim responder, contudo caberá a mim responder e perguntar o seguinte:
Porque em decisões importantes como por exemplo com uma percentagem de 49.84% a não exercer o seu direito a voto?
Falta de informação, matéria, debate, prós e contras, dados concretos, proibições eleitorais por incumprimento de pagamentos? Ou falta de esclarecimentos sob a efectiva condições e modo?
O silêncio estarrecedor a estas e outras questões é perturbador…
Ficará a legitimidade para concretizar um resultado, quando 49.84%,
Todavia se deverá inquerir individualmente o que aconteceu, e daí retirar as inerentes ilações, um voto em branco, nulo ou a abstenção em votar, é um comodismo ou na realidade é um cartão vermelho ao sufrágio e consequentemente a uma consagração de falta de legitimidade do acto, intervenientes e matéria?
Porém, não há verdades absolutas, cada indivíduo ou sujeito, retirará as suas ilações ou interpretações, sendo todas legítimas por um raciocínio lógico, tendencioso ou falacioso.
A tolerância é uma virtude essencial na sociedade contemporânea, promovendo a coexistência pacífica entre indivíduos de diferentes origens, crenças e perspectiva.
Em um mundo diversificado, a capacidade de aceitar e respeitar as diferenças é crucial para construir comunidades harmoniosas. No entanto, alcançar verdadeira tolerância vai além da simples coexistência; exige compreensão, empatia e diálogo aberto.
A tolerância também se estende ao campo político, onde a coexistência pacífica muitas vezes depende do respeito pelas opiniões divergentes.
As sociedades que cultivam uma cultura de tolerância estão mais bem equipadas para enfrentar desafios comuns, uma vez que a colaboração e o entendimento mútuo se tornam possíveis.
Ao promover a tolerância, estamos trabalhando para superar preconceitos enraizados e estereótipos que podem perpetuar discriminação.
Isso implica em reconhecer e apreciar a riqueza da diversidade humana, entendendo que cada pessoa possui uma perspectiva única moldada por suas experiências e culturas. A tolerância não significa concordar com todas as visões, mas sim respeitar a legitimidade dessas diferentes visões.
A tolerância e a hipocrisia são conceitos complexos que muitas vezes coexistem na sociedade contemporânea. Enquanto a tolerância busca a aceitação e respeito às diferenças, a hipocrisia pode minar esse princípio ao revelar contradições entre as ações e as palavras das pessoas.
Compreender a interação entre esses dois aspetos é crucial para a construção de uma convivência mais autêntica e harmoniosa.
A tolerância, como princípio fundamental, implica aceitar a diversidade de opiniões, crenças e estilos de vida. No entanto, a prática da tolerância muitas vezes esbarra na hipocrisia quando as pessoas proclamam seu respeito pela diversidade, mas, na realidade, agem de maneira discriminatória ou preconceituosa.
Esse descompasso entre discurso e ação é um desafio significativo, pois mina a confiança e a sinceridade nas relações interpessoais e na sociedade como um todo.
A hipocrisia pode manifestar-se de diversas formas, desde a discrepância entre o que se diz publicamente e o comportamento privado até a aplicação seletiva da tolerância, onde algumas diferenças são aceitas, enquanto outras são rejeitadas.
Isso destaca a necessidade de reflexão individual e coletiva sobre a consistência entre valores declarados e práticas efetivas, promovendo uma cultura de autenticidade.
No contexto da tolerância, a hipocrisia também pode surgir quando as pessoas estão dispostas a aceitar a diversidade superficialmente, mas resistem a compreender verdadeiramente as experiências e perspectiva diferentes. Isso enfraquece a base da tolerância, pois a compreensão mútua é crucial para superar estereótipos e preconceitos.
Para abordar essa dicotomia, é essencial promover a educação e a conscientização sobre a importância da coerência entre valores e ações. Incentivar a empatia e o entendimento genuíno das experiências alheias pode ser uma ferramenta poderosa para combater a hipocrisia e fortalecer a base da tolerância.
Além disso, criar espaços para diálogo aberto e respeitoso pode facilitar a construção de pontes entre diferentes grupos, reduzindo a lacuna entre intenções declaradas e práticas reais.
Em última análise, a reconciliação entre tolerância e hipocrisia requer uma abordagem consciente e constante para alinhar as atitudes e as ações.
Ao reconhecer e superar as contradições, a sociedade pode aspirar a uma coexistência mais autêntica, onde a tolerância seja verdadeiramente valorizada e praticada de maneira consistente e genuína.
Mas o que expressamos efetivamente quando votamos ou não votamos? E haverá um aproveitamento desse mesmo acto pelos actores….
Dr. Pedro Carrilho Rocha – Advogado