Castas – Um Direito a ser Superior? por Pedro C. Rocha
Recentemente, detive um longo debate sobre castas ou nomes de famílias ou de indivíduos provindos de determinados grupos sociais, o seu poder de decisão, poder de influência detido, face a de terceiros externos.
A conclusão do debate pautou-se como velha máxima pessoal, na concordância em discordar dos pontos de vistas situados nos seus antípodas sobre tal temática.
Detenho ou verifico em mim, uma impossibilidade de aceitação da mais ínfima violação da consagração do Princípio da Igualdade, previsto na Declaração Universal dos Direitos do Homem, e outros diplomas legais nacionais onde é imposto ou estatuído o tratamento igual de todos os seres humanos perante a lei, e uma proibição de discriminações infundadas sem prejuízo de impor diferenciações de tratamento entre pessoas, quando existam especificidades relevantes que careçam de proteção.
Contudo; será mesmo que a lei fundamental na sua execução e proteção é plena, ou ainda se verifica na sociedade uma estratificação social não expressa, mas existente?
As castas sociais ou os nomes de famílias preponderantes, têm sido uma realidade persistente ao longo da história da humanidade, manifestando-se de diferentes maneiras em diversas culturas e sociedades.
Essa estratificação social que se verifica, baseada numa hereditariedade e atribuição de um status quo desde o nascimento, cria divisões profundas na sociedade e organizações e muitas vezes perpetua uma injustiça e desigualdade.
O sistema de castas mais conhecido provavelmente é o que historicamente existiu na República da Índia, até meados do século XX, tendo ainda o Império Britânico à altura nação colonizadora, legislado e regulamentado a matéria.
As castas eram organizadas e assentes numa hierarquia rígida, determinando à priori uma ocupação, o status social e até mesmo as interações matrimoniais entre os indivíduos.
No topo da hierarquia estariam os Brahmins, considerados sacerdotes e estudiosos, seguidos pelos Kshatriyas (guerreiros e governantes), Vaishyas (comerciantes e agricultores) e Shudras (trabalhadores braçais).
Fora dessa estrutura imposta e piramidal, há os Dalits, historicamente chamados de “intocáveis”, relegados a ocupações degradantes e frequentemente marginalizados.
A injustiça das castas sociais é evidente na limitação das oportunidades e direitos que são inerentes a cada casta.
Enquanto os Brahmins desfrutam de privilégios educacionais e ocupacionais, os Dalits frequentemente enfrentam discriminação e violência, vendo suas perspetivas de vida limitadas desde o nascimento.
Isso não apenas perpetua uma estrutura de desigualdade, mas também cria um ciclo vicioso de pobreza e marginalização.
Contrariamente, ao que se possa imaginar, a discriminação baseada em castas não é exclusiva da República da Índia.
A mesma verificou-se em muitas outras sociedades, sistemas de castas ou estratificação social semelhantes existiram ou ainda existem, perpetuando a divisão e a injustiça.
Sistemas muitas vezes justificados por supostas diferenças de nascimento, linhagem ou habilidades inatas, criando uma atmosfera na qual a mobilidade social é difícil, se não impossível.
Uma crítica fundamental aos sistemas de castas é que eles violam os princípios básicos de igualdade e justiça.
Nos seu antípodas, encontra-se um conceito do qual sou um fervoroso defensor, o conceito do American Dream, conceito esse, profundamente enraizado na cultura dos Estados Unidos, e que tem servido como uma força motriz para gerações de americanos, sonho esse muitas vezes definido como a crença de que, qualquer pessoa, independentemente de sua origem ou circunstâncias iniciais, pode alcançar o sucesso, a prosperidade e a felicidade por meio do trabalho árduo e da dedicação, e tal continua a ser uma força inspiradora na psique coletiva americana.
O cerne do American Dream remonta à busca de liberdade religiosa, oportunidades econômicas e uma oportunidade de construir uma vida melhor, conceito que ganhou destaque no século XX, especialmente no pós-Segunda Guerra Mundial, quando a prosperidade econômica aumentou e a ascensão da classe média se tornou uma realidade para muitos americanos.
O sonho de possuir uma casa, ter um emprego estável, educar os filhos e alcançar uma vida confortável, tornou-se uma narrativa dominante.
Defendo que todos os indivíduos deveriam ter a oportunidade de buscar seus interesses e aspirações, independentemente de sua origem.
A imposição de restrições com base em castas ou de uma hereditariedade familiar nega esse princípio fundamental e, assim, perpetua um sistema que beneficia alguns à custa do sofrimento de outros.
Desde o 25 de abril de 1974, a sociedade portuguesa passou por uma transformação significativa, afastando-se de estruturas sociais que poderiam ser comparadas a castas.
A Revolução dos Cravos não apenas derrubou o regime ditatorial do Estado Novo, mas também desencadeou um processo de democratização e modernização que contribuiu para uma sociedade mais justa e igualitária.
O período pós-revolução foi caracterizado por uma busca por igualdade social e justiça, refletindo um compromisso com os valores democráticos. As reformas políticas introduzidas após o 25 de abril promoveram a participação cívica, garantindo direitos fundamentais e eliminando barreiras que poderiam perpetuar estruturas sociais hierárquicas.
Uma das mudanças mais notáveis foi a adoção de políticas que promovem a igualdade de gênero e combatem a discriminação. A sociedade portuguesa tem trabalhado ativamente para superar estereótipos de gênero e proporcionar oportunidades iguais para todos, independentemente do sexo.
Além disso, o ênfase dado na educação e na igualdade de acesso aos recursos sociais contribuiu para um afastamento das distinções sociais baseadas em origens familiares ou status socioeconômico.
A promoção de uma sociedade mais inclusiva e equitativa tem sido uma prioridade, buscando garantir que todos os cidadãos tenham oportunidades justas de desenvolvimento pessoal e profissional.
Embora desafios persistentes existam, como questões econômicas e sociais, a evolução da sociedade portuguesa desde o 25 de abril mostra um compromisso contínuo com a construção de uma comunidade baseada em princípios democráticos, direitos humanos e igualdade, afastando-se de quaisquer resquícios de estruturas sociais que se assemelhem a castas.
Que caminhos faltam para a sociedade portuguesa trilhar?
Dr. Pedro Carrilho Rocha – Advogado