Intolerância arrependimento e ódio, por J. Vitorino

Intolerância arrependimento e ódio, por J. Vitorino

A década de 60 nos EUA ficou marcada pela dramática luta pela igualdade, e deixou cicatrizes insolúveis que chegaram até aos dias de hoje; não obstante as administrações Clinton e Obama “o primeiro Presidente Afro-Americano”, tenham nos seus mandatos minimizado o paradigma racial naquela grande Nação.

Elizabeth e Hazel protagonizaram um dos mais icónicos momentos da luta pelos direitos da igualdade, e combate ao racismo na História dos EUA.

Decorria o ano de 1957 quando Elizabeth Eckford se tornou numa das primeiras estudantes negras, a frequentar uma escola pública no sul dos Estados Unidos.

O acontecimento é ainda hoje um dos maiores símbolos da luta pelos direitos da igualdade em todo o Mundo, mas nem sempre pelas melhores razões; quando Elizabeth Eckford entrou pela primeira vez na Little Rock Central High School a 4 de setembro de 1957, iria ser muito contestada pelos outros alunos.

Por determinação do Supremo Tribunal, a Instituição de ensino tinha sido obrigada a aceitar Elizabeth e mais oito estudantes negros, com o objetivo de os integrar na sociedade; mas a entrada da jovem de 15 anos no Secundário, foi para ela um verdadeiro pesadelo.

Uma fotografia tirada nesse longínquo dia por Will Counts, um fotógrafo do Arkansas que se tornou conhecido pelas imagens que tirava sobre temas como a segregação racial, em particular no ano de 1957 imortalizou o momento; na foto para além de Elizabeth, vê-se uma outra personagem Hazel Bryan também americana de 15 anos, que na época foi a imagem da intolerância e radicalismo racial, contra a igualdade de tratamento nos estabelecimentos de ensino, e noutros locais dos EUA por motivos incompreensíveis e errados.

Elizabeth Eckford à entrada para Little Rock Central High School, a 4 de Setembro de 1957.

A jovem aparece na imagem atrás de Elizabeth Eckford com uma expressão de raiva, enquanto seguia a jovem negra e lhe gritava palavras de ódio que dificilmente terá esquecido; porque no dia seguinte, a fotografia era capa nos principais Jornais para fazer história.

Elizabeth, consagrou-se como um dos símbolos da luta e resistência dos negros nos EUA; e durante os 60 anos que se passaram depois do incidente, a vida de Hazel tem sido vivida na penumbra; no entanto segundo um livro recentemente publicado, terá desvendado uma parte da história conjunta, das duas protagonistas daquele infeliz incidente racial, em que a intolerância e o ódio estiveram sempre presentes.

Quando viram a fotografia, os pais de Hazel decidiram retirá-la da escola; e a jovem nunca chegou a estudar ou a conviver com os estudantes negros, que frequentaram aquele estabelecimento de ensino secundário.

Hazel conta que apenas participou no “ataque” para se integrar; mas com o tempo foi-se educando e aproximou-se do ativismo e de trabalhos sociais, nomeadamente no apoio a mulheres pobres na sua maioria de raça negra.

Mais consciente e arrependida, Hazel terá em meados da década de 60 telefonado a Elizabeth para lhe pedir desculpa; e mostrar que dez anos depois, continuava a sentir vergonha do seu comportamento.

Elizabeth e Hazel, deixaram as marcas de um dos mais dramáticos momentos na luta pelos direitos humanos, e da igualdade no combate ao racismo na História dos EUA.

Só em 1997 quando do aniversário dos 40 anos do fim da segregação racial, numa cerimónia presidida pelo então presidente Bill Clinton, é que as duas se voltaram a encontrar; depois disso, começaram a estar juntas mais vezes e a dar palestras; passando a fazer parte da vida uma da outra.

No entanto as duas (amigas), acabaram por ser acusadas pelo público tanto negro como branco, de não estarem a ser verdadeiras; e que ambas queriam limpar as suas imagens por razões diferentes; onde depois de se tornarem amigas, a hipocrisia e sua aparente inocência seriam uma falácia.

A relação entre ambas passou a ser mais complicada do que inicialmente parecia; Elizabeth começou a descobrir inconsistências na história de Hazel, que afirmava não se lembrar do incidente; ela queria que eu me sentisse menos desconfortável, para que se pudesse sentir menos responsável.

Mas a reconciliação verdadeira só pode acontecer, quando existe o reconhecimento honesto e total, do nosso doloroso passado em comum disse Elizabeth em 1999.

O último encontro aconteceu no ano de 2001, e desde então Hazel manteve-se na sombra; voltando ao anonimato nesse ano, depois de escrever a Elizabeth para lhe dar os pêsames pela morte do filho, que tragicamente morreu num confronto com a polícia.

 

J. Vitorino – Jornalista – Diretor

 

 

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