
Os Direitos vistos pelos olhos de crianças, por Pedro C. Rocha
Volvidos poucos dias de uma experiência inolvidável, decidi verter em papel, tal ocorrência feliz e enriquecedora.
É curioso, como recebi muito mais do que ofereci ou tentei transmitir, ao contactar numa exposição a pequenas crianças do que é o Direito, assim como, sobre o que é a Convenção dos Direitos da Criança.
Volvidos 18 anos desde a última vez que havia pisado uma sala de aula, à altura na qualidade de Professor de alunos universitários, foi um momento doce, o de regresso enquanto convidado, a uma sala de aula, desta vez com pequenos petizes.
O que mais me impressionou, durante a minha estada nesta sala de pequenas mentes, foi o seu olhar penetrante, doce e inocente, assimilando cada palavra proferida, interiorizando cada conceito, sentido o poder de cada palavra.
Enquanto, dissertava sobre os diversos Direitos constantes na Convenção, como o direito ao lazer, que foi subentendido pelos alunos, como o direito a ter recreio e só brincadeiras, sem trabalhos de casa, resultando numa gargalhada generalizada, que ecoou por aquela sala.
Não obstante, esta recepção de pequenos petizes, importa salientar que a Convenção sobre os Direitos da Criança, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1989, representa um marco crucial na proteção dos direitos fundamentais das crianças em todo o mundo.
No entanto, apesar dos progressos realizados desde a sua adoção, ainda persistem desafios significativos na sua implementação plena.
Muitos países incorporaram os princípios da Convenção em suas constituições e leis, estabelecendo assim um quadro legal para proteger os direitos das crianças.
Além disso, programas e políticas foram implementados para promover a saúde, educação e bem-estar das crianças, contribuindo para a melhoria de suas condições de vida em muitas partes do mundo.
Porém, foi todavia, exatamente, na exposição quanto ao direito do bem estar das crianças e a sua contraposição, da existência de trabalho infantil, o conceito de crianças soldados, tráfico e abuso de menores, proibição de frequência escolar devida ao género, que encontrou mais resistência.
Uma resistência pautada de mentes puras, não formatadas ou convencionadas, nos quais estes conceitos e realidades, pura e simplesmente não são aceites, e onde se apresenta uma célere resolução.
De profundos olhos castanhos e de sardas pautadas nas faces, jorrava uma incredulidade e revolta ao que lhes fora dito, em contraposição com os Direitos que detinham, a constatação da privação dos mesmos.
A dualidade de uma dura realidade, face á por eles vivida, onde um dia, em vez de ser passado a jogar jovialmente futebol com os amigos, ser substituído, por um dia costurando manualmente bolas de futebol, para auferir 1 a 2 dólares no final do mês, ou, a proibição de frequentar uma sala de aula, somente por ser do sexo feminino.
Mesmo o conceito adquirido desde o momento da nascença, do direito a ter uma família, a ser amado e cuidado, face ao seu paralelo, onde se verifica a inexistência, e como tal, decorre assim a obrigação do Estado em assegurar os cuidados de tais crianças, encontrou aqui, um ruidoso silêncio que preenchia toda uma sala.
Todavia, a intenção não era chocar mentes tão imberbes, mas tão só, qual gaiola dourada, onde moram delicados tordos de peito ruivo, fazê-los ver que existem realidades dispares, ex gaiola de outros mundos, ao fim ao cabo, uma visão em túnel do mundo e da realidade, não torna o mundo mais tolerante, nem as crianças, muito pelo contrário, torna o mundo e as crianças muito mais redutoras.
Dada por terminada a exposição da temática que me havia levado àquela afortunada sala de aula, surgiu uma ronda de perguntas interminável, onde destoaram algumas, como viver enquanto adultos, e a manutenção de direitos.
A melhor resposta, salvo melhor entendimento, para a vivência enquanto adultos, foi o recurso a uma analogia, recorrendo à figura do recreio de todas as escolas. Estes são verdadeiros espelhos de água da multiplicidade de situações que ocorrem na vida e na sociedade dos adultos, partindo de uma visão quase micro organizacional, desde a sua composição, heterogenia, destaque, desavenças, conciliação, concertação, confrontos, jovialidade, disputa, em quase tudo similares ao que seria por eles vivenciado enquanto adultos.
Uma das últimas questões estarreceu-me, principalmente pela imberbe idade dos intervenientes, quando é que existem limites ao que posso fazer.
Porém, não obstante a facilidade de uma resposta, recorrendo à figura da lei, da regra instituída, da norma consagrada, para uma melhor compreensão e interiorização, conscientemente, entendi que deveria socorrer-me de uma velha máxima “(…) A minha liberdade termina onde começa a do outro (…)” , recorrendo depois ao exemplo prático e empírico, de uma figura geométrica, nomeadamente, de um circulo, onde no meio se situavam os próprios, e que nas suas relações ou interações com os seus colegas, a esfera, não deveria haver violação ou ingerência no circulo do outro.
Ao que se deu, o tiro de partida por parte dos jovens imberbes, onde estes, clamavam que o respeito pelo outro, tem de reinar, nas relações ou interações com os outros. Rematando, por fim, que mesmo o direito á liberdade de pensamento e de expressão que detêm, e consagrados na Convenção dos Direitos da Criança, não lhes dava o direito de dizer mal, ou de dizer algo que magoe o outro.
As crianças são frequentemente subestimadas na sua capacidade de compreender as complexidades das relações humanas e da sociedade. No entanto, pesquisas recentes têm revelado que elas possuem uma compreensão surpreendentemente avançada das dinâmicas sociais desde tenra idade.
Um aspecto fundamental da compreensão das relações humanas é o desenvolvimento da teoria da mente, que se refere à capacidade de compreender e atribuir estados mentais, como crenças, desejos e intenções, a si mesmo e aos outros. Estudos mostram que as crianças começam a desenvolver essa capacidade por volta dos três ou quatro anos de idade, e ela continua a se aprimorar ao longo da infância e adolescência.
As crianças têm uma maneira única de ver o mundo, uma visão desprovida de preconceitos e limitações que muitas vezes caracterizam as relações humanas. Uma das características mais marcantes da visão das crianças é sua inocência e capacidade natural de empatia.
As crianças veem além das diferenças superficiais e julgamentos preconcebidos, valorizando a genuinidade e a bondade nos outros. As crianças têm uma capacidade natural de aceitar os outros como são e valorizar a diversidade.
Elas não se prendem a estereótipos ou preconceitos, mas abraçam a individualidade de cada pessoa.
Se adotássemos essa mentalidade inclusiva em nossas relações, poderíamos criar comunidades mais acolhedoras, onde todos se sintam valorizados e respeitados, independentemente de suas diferenças.
Como seria o mundo, se cada um de nós o voltasse a ver pelos olhos de uma criança?
Dr. Pedro Carrilho Rocha – Advogado
