Refletir Portugal – a floresta da morte, por J. Vitorino
Portugal não é um país de florestas mas sim de mato; está na altura de o limpar para não termos surpresas desagradáveis, como infelizmente tem acontecido.
Gonçalo Ribeiro Telles 1922/2020, foi o paisagista mais influente da cultura florestal portuguesa contemporânea; e alguém o deveria ter escutado quando afirmou que em Portugal não existe floresta, e que da diversidade de espécies todos sabemos, que o eucalipto é um presente envenenado de acendalhas, que com o vento são lançadas a longa distância, disse numa entrevista no verão de 2005.
A triste atualidade obriga-nos a recuar 19 anos no tempo, para recordarmos Ribeiro Teles que afirmou que muito brevemente, Portugal seria um Estado sem território.
O alarme foi dado por aquele que eu considero ter sido o maior ecologista português; que considerou trágico existir uma política agrícola nacional baseada em matas, sebes e compartimentação do espaço.
É urgente fazer um sério reordenamento do território e não tenham ilusões; nós não temos um país florestal sendo um abuso inqualificável dizer, que está a arder uma floresta em Portugal; porque cientificamente ela não existe.
Os portugueses vivem em comunhão com o mato, onde a variedade biológica é quase inexistente, e que funciona como um autêntico barril de pólvora, como o que aconteceu em 2017.
Os efeitos devastadores no futuro para as regiões mais vulneráveis, provocados pelo desleixo como aconteceu na tragédia de Pedrógão Grande, são de tal dimensão que dificilmente os podemos contabilizar; porque o Distrito de Castelo Branco é precisamente a zona mais envelhecida do nosso país, onde a população idosa é representada em número de 300, por cada 100 crianças e jovens no seu conjunto.
Numa situação de desertificação; toda aquela vasta aérea que eu conheço muito bem, será transformada em mato e caça selvagem em poucos anos; ficando à mercê dos grandes empreendimentos, a exemplo da exploração dos madeireiros da floresta Amazónica.
A reposição demográfica no Distrito de Castelo Branco, entrou num contexto de não retorno; à excepção de Vila de Rei, que vai mantendo o equilíbrio demográfico com medidas de incitamento, e condições mínimas de serviços indispensáveis, ao bem estar da população; na verdade, Vila de Rei é um dos melhores locais para se viver em Portugal.
A forma de responsabilizar os proprietários por abando dos terrenos por falta de meios para os limpar, é no mínimo o Estado a tentar lavar as mãos das suas responsabilidades, no abandono de vastas áreas que não são há anos reclamadas; e é neste contexto que tem que haver responsabilidades, porque não se repita 2017, em que 64 pessoas perderam suas vidas terrivelmente ceifadas pelo fogo; entre elas, encontravam-se muitas crianças.
Muitos desses terrenos, os seus proprietários vieram para a Cidade ou emigraram, ou perderam a orientação da sua posse; outros nem sabem que são donos de grandes áreas de mato, sendo aqui a grande falha do Estado; que deve proceder à sua identificação, para que sejam notificados para assumir a limpeza das suas propriedades; ou que na eventualidade de não terem posses para o fazer, estas terão que reverter para o Estado português, que as terão que limpar com o dinheiro dos contribuintes.
Atualmente através de GPS e drones, é possível reproduzir os limites de uma propriedade com toda a precisão; para tal bastará consultar o Instituto Geográfico e Cadastral, que informam detalhadamente quais são os limites de uma propriedade.
É certo que os erros começaram no século XIX com plantação do pinheiro bravo, que existia apenas no litoral; e o país, que era um carvalhal compartimentado por culturas, passou a ter uma percentagem excessiva de pinheiro bravo.
Mais tarde, por volta de 1930 assistiu-se à arborização de 400 mil hectares de baldios no Gerês, com pinheiros, cedros, faias e carvalhos-americanos entre outras espécies; que acabou por expulsar as comunidades de agropecuária do Norte.
A seguir apareceram os eucaliptos e novamente os pinheiros, para satisfazerem as indústrias de celulose e de madeiras para a construção civil.
Foi assim que desapareceu a agricultura no fundo dos vales; e com ela a cabra que dava leite, o cabrito e o queijo, e os matos que davam o mel e a aguardente de medronho.
Agora somos confrontados com um cenário muito diferente daquele que existia, onde só se vê crescer mato, e o que tem como destino a celulose o eucalipto, o que mais desertifica os solos.
Muitas das antigas produções, podiam não ter grande peso económico; mas contribuíam para a fixação de pessoas no local, onde hoje existe um grande déficit de população, onde vastas zonas foram transformadas num autêntico deserto.
J. Vitorino – Jornalista –
Diretor do Diário On Line vila de Rei