Uma reflexão na cidadania e género, por António Justo
Uma análise/reflexão, sobre a questão da desigualdade genética verificada na luta entre a boxeadora italiana e a boxeadora argelina, bem como a resultante discussão conduzida num contexto social de afirmação dos opostos, ouso partir da seguinte premissa:
A vida e a sociedade podem ser compreendidas como sistemas interconectados e unificados, nos quais a informação seja biológica, cultural ou espiritual, desempenha um papel central na criação, evolução e organização do universo.
Na perspectiva biológico-física, a transmissão genética através do DNA, e a propagação de memes culturais moldam a natureza física e comportamental dos indivíduos e sociedades.
Na perspectiva teológica, a noção de que “no princípio era a Palavra” sugere que o logos, ou a informação, é a essência criativa e organizadora da criação, refletindo uma interdependência entre o material e o imaterial, o físico e o cultural.
Assim, o desafio contemporâneo reside em realizar ou desenvolver uma visão de mundo que priorize a colaboração e a partilha, em oposição à exploração, garantindo que a evolução seja uma conquista coletiva e não um privilégio de poucos.
Na relação sexo-género, urge a formação de uma matriz social que afirme não só o princípio natural da evolução mediante a afirmação do mais forte.
A boxeadora italiana Angela Carini, ao ser derrubada nos jogos olímpicos de Paris pela boxeadora argelina Imane Khelif, desistiu da competição alegando “não ser justa” a luta com a atleta argelina diagnosticada de hiperandroginismo, (demasiada produção de testosterona e estrogénio).
Verifica-se que o desporto define claramente o que é masculino e o que é feminino, enquanto a biologia por vezes mistura a regra com a excepção complicando a definição e a discussão social…
No desporto refletem-se as questões de ordem física e mental da nossa sociedade.
De lembrar que a natureza nos condicionou a sermos atraídos naturalmente pelo sexo, premiando-nos com o gozo e o sentimento de amor, para em contrapartida a recompensarmos com a fertilidade que lhe dá continuidade e podermos continuar a festejar a vida e não pelo género que é uma construção social de caracter mais funcional e organizativo, que nos ajuda a viver em sociedade.
Daí a importância, de se construir uma tolerância não baseada na ignorância nem na desumanidade de não querer ver, porque então ela não passaria de intolerância, camuflada ao serviço de uma autoafirmação unilateral…
Por vezes há anomalias dos cromossomas tanto na mulher como no homem, que provocam desorientação em quem define o homem e a mulher pelo seu aspeto exterior, (homem: pénis e testículos e mulher: vulva e vagina) ,e dão oportunidade aos que fazem uso da excepção para criarem confusão.
Enquanto a observação das pessoas em competição e a verificação do género forem apenas qualificadas pela observação de características externas, as mulheres continuarão a ser discriminadas…
É um caso bicudo; ver-se que também no desporto não é possível praticar-se a justiça desportiva, a não ser que a Organização Olímpica organize as competições a nível de cromossomas, ou crie também um modelo de desporto próprio para competidores intersexuais, de maneira a possibilitar uma comparação justa do desempenho.
Assim, à informação genética da espécie nos genes transmitidos num organismo através das gametas (espermatozoides e óvulos) passada através da reprodução, seria de acrescentar a informação da “Palavra” transmitida também através da mente e da consciência social acumulada nas culturas (DNA cultural) e transmitida também a nível do inconsciente. Relação é a base que suporta toda a realidade…
Na sociedade europeia embora de características muito masculinas observa-se a diminuição da potência sexual (testosterona), acompanhada de uma crescente feminização dos homens nas suas relações sociais e, por outro lado, a pressão social para que as mulheres assumam cada vez mais qualidades próprias do cromossoma Y; a crescente diminuição do impulso sexual masculino é acompanhada pelo enfraquecimento do cromossoma Y em homens…
O cromossoma Y masculino da nossa matriz cultural ocidental conseguiu troféus em relação a outras culturas, mas querer continuar a afirmar-se dentro da própria cultura contra a indefesa feminilidade da mulher sob o pretexto de querer dar igualdade “muscular” ao ser feminino tornar-se-ia cínico para quem sabe ler nas entrelinhas da sociedade e está consciente da matriz que nos orienta e seguimos deterministicamente.
Deste modo transforma-se o que seria jogo em pancadaria física e social, o que leva a desviar do essencial as atenções das populações para assuntos que distraem da política ou de interesses de corporações que se transmitem de geração em geração sem que se possibilite uma evolução qualitativa na sociedade…
Uma cultura verdadeiramente humana e de paz pressuporia mais “cromossomas X “(feminilidade) na matriz social masculina em vez de submeter a mulher à luta masculina de maneira a ela ser condicionada a perturbar a própria feminidade ao ter de integrar de maneira perturbadora o “cromossoma Y” na sua essência feminina; assim o princípio da feminilidade encontra-se em processo de assimilação e não de integração.
De facto, assiste-se a uma assimilação da feminilidade pelo modelo estrutural social masculino, que se realiza mediante a apropriação da mulher, através das funções sociais de características masculinas.
O feminismo ideológico é dominado por cromossomas do tipo Y e por isso atraiçoa a própria feminilidade.
Uma visão binária natural que no passado identificava sexo com género é cada vez mais questionada; e isto devido sobretudo a dois fatores: o desenvolvimento tecnológico da ciência e a economia industrializada.
O desenvolvimento económico cria a necessidade de funcionalizar e converter os sexos no sentido de género, isto é, a nível de género o sexo feminino tem de assumir os papéis e comportamentos que a matriz masculina atribuía antes ao sexo masculino.
A exigência mais do que óbvia de transformar a matriz social masculina numa matriz masculino-feminina não pode ser reduzida a uma luta de caráter masculino sob o pretexto de se eliminar as desigualdades entre os sexos, especialmente quando isso ocorre às custas de uma repressão ainda maior do princípio da feminilidade.
A destruição do princípio ou da realidade da espiritualidade equivale à destruição da feminilidade, redirecionando-a para a masculinidade.
Só uma atitude empática leva à compreensão intersexual e à criação de uma matriz social onde as funções sociais não tenham fatalmente de seguir a perspectiva masculina, mas, pelo contrário, onde as funções sociais integrem o princípio da feminilidade como constitutivo, com a mesma seriedade como se tem feito com o princípio da masculinidade para as características masculinas que determinam a sociedade (aqui faz-se valer o princípio da seleção natural de afirmação do mais forte (masculinidade e oprime-se o outro princípio também ele natural que é o da colaboração (feminilidade).
António da Cunha Duarte Justo
Teólogo e Pedagogo em “Pegadas do Tempo”