A Muralha Social, por J. Vitorino
A provável insustentabilidade da segurança social, tem que ser urgentemente encarada com realismo e muita coragem; é uma situação de enorme preocupação, que a médio e longo prazo afetará todos os portugueses.
O inevitável corte nas reformas, que não se enquadrem nos mínimos de sobrevivência, é um tema que tem sido subtilmente abordado, e reveste-se de uma enorme preocupação e melindre; foi por isso que ninguém abordou este tema, em debates entre partidos nas últimas eleições legislativas.
Por conseguinte, merece uma reflexão séria e não deve ser explorada politicamente, porque a garantia de uma reforma digna só é possível, com a real contribuição dada em trabalho por todos os que dela venham a usufruir.
Esta é a muralha que não pode ser demolida, porque constitui a pedra basilar de qualquer democracia.
A crise económica de 2008/2015, da qual Portugal foi o único país da Europa que ainda não conseguiu sair, foi agravada pela pandemia e pode a curto prazo criar um vazio na sustentabilidade das reformas; que já estavam em muitos casos a serem asseguradas pelos filhos e netos de quem as recebe (se têm a sorte de terem trabalho), enquanto os seus descendentes e eles próprios, não lhe terão acesso se não for feito um urgente reajustamento.
É preciso não esquecer, que muitos daqueles que recebem reformas de acordo com a contribuição que deram, estão a sustentar os filhos desempregados e os filhos destes, provocando um grande desequilíbrio financeiro nas famílias; correndo-se um sério risco, que ao repor alguma justiça a possam vir a agravar ainda mais, lançando na mendicidade milhares dos nossos reformados, a que se juntam aqueles, a quem não podem prestar ajuda que são os filhos e netos.
A situação é grave, e pode incidir a curto prazo no comportamento dos portugueses, que o estado da nossa débil economia está a arrastar para outros males a ela associados; que nos coloca na lista como um país violento, resultado das grandes assimetrias sociais a que foi sujeito nos últimos anos.
“Portugal é o país europeu que menos cresceu a todos os níveis nos últimos 20 anos”.
A crise nos setores do turismo e empresarial provocada pela pandemia ainda não recuperou totalmente, e veio acelerar o que há anos já estava em curso; em que a falta de produtividade, é uma consequência dos baixos salários que são praticados em Portugal; o que incentiva o recurso aos subsídios, o que agrava ainda mais a diferença entre valores que se pagam e os contributivos.
Em contato diário com o meio rural e das pescas na (zona Oeste), nunca antes tinha visto tantas pessoas sem trabalhar como atualmente; cujo motivo não é a falta de trabalho mais sim a facilidade em obter subsídios por um lado, e os baixos salários com origem na débil economia imposta ao país nos últimos 15 anos por outra, que colocaram Portugal numa rota de empobrecimento sem retorno à vista.
Os nossos emigrantes que somam um terço da população portuguesa, são reconhecidamente a outra face de um Portugal bem diferente; disciplinados e trabalhadores eles são a nossa bandeira, que vai limpando as notícias menos boas deste país; o que por ironia constituem um terço da população portuguesa, mas com apenas 4 em 230 representantes no Parlamento.
O governo saído das últimas eleições, terá que resolver quanto antes a questão da sustentabilidade das reformas, onde um terço dos nossos reformados é o único meio que tem para viver; espero que o novo ciclo parlamentar veja a situação como uma prioridade absoluta; até porque, eles são os únicos portugueses que estão nivelados pelos europeus.
Num Estado democrático e numa emergência como a nossa, a questão tem que ser colocada em debate com elevado sentido de justiça; sem a qual será o colapso da democracia, em que o Estado social assenta.
Lembro que 36% dos portugueses que trabalham, são considerados pobres face aos nossos parceiros na Europa, e que no seu conjunto familiar perfazem um quarto da população portuguesa; é uma enorme tragédia, a que se junta mais de 50% por cento dos nossos recém-licenciados, cujo primeiro emprego se o conseguirem, aguarda-os o salário mínimo nacional.
Se a situação não for urgentemente revista, vai refletir-se nas reformas futuras; com a esperança de vida dos nossos idosos a aumentar, deixa antever o drama que espera as duas próximas gerações, que terão pela frente um nível de vida inferior ao de seus avós e bisavós; lembro que a economia portuguesa assente em salários baixos, tem sido uma constante de todos os governos nos últimos 30 anos, o que levou ao acentuado empobrecimento dos portugueses.
Joaquim Vitorino – Diretor
