Desde tempos idos, que o povo português se habituou a viver em dificuldades e a ultrapassá-las.
Disso são exemplo as nossas conquistas aos espanhóis, para divisão da península ibérica. No século XIV, a Europa foi avassalada pelo surto da peste bubônica, mais conhecida por peste negra, que só em Portugal matou cerca de 50.000 pessoas.
Mas, povo corajoso e ferveroso a Deus e à fé Cristã, não nos deixámos ficar presos à miséria que se sentia e embarcámos no período mais nobre e rico da nossa História: os Descobrimentos Portugueses, que tiveram o seu início com a tomada de Ceuta, em 1415, e se perpetuariam até ao século XVII, com os povos de todo o mundo a temerem a coragem e a audácia deste povo que decidira explorar mares desconhecidos, enfrentando os seus maiores medos, tendo como objetivo alcançar uma vida melhor através das riquezas do continente Africano, Asiático e Americano.
Aliados a estas conquistas, somavam-se conhecimentos académicos e científicos nas áreas de Ciência Náutica, Cartografia, Astronomia, Direito e Letras, sem esquecer uma das nossas maiores obras literárias: Os Lusíadas de Luiz Vaz de Camões.
Hoje em dia, tudo parece um sonho, uma fantasia tirada de um livro de aventuras juvenil. E porquê?
Terminadas as conquistas, descobertos novos povos, culturas e tradições, ficámos com uma mão cheia de tudo e outra ….cheia de nada. Continuamos a ser um país pobre que, ao longo dos tempos, não soube aprender com aqueles homens destemidos, audazes e inteligentes.
Num passado recente pós 25 de abril, saídos de 48 anos de uma dura ditadura, os governos sucederam-se. A governação foi sempre difícil, fruto de pouca sabedoria e, até, ouso dizer, reflexo da pouca seriedade e incoerência de ideias dos nossos políticos.
Assistimos a uma crise financeira em 1977, outra em 1983 e, a mais recente , em 2011, de onde resultou a intervenção do FMI com a visita da “troika” a Portugal.
Nessa data, o povo português, na sua generalidade, viu-se confrontado com uma crise obscura, tal qual cabo das tormentas, com a “troika “ na figura de Adamastor, e de onde muitos nunca conseguiram sair.
Da análise das várias crises financeiras, a última distingue-se, claramente, das anteriores pelo consumismo que se generalizou em Portugal e na restante Europa, e que tinha como muleta o recurso generalizado ao crédito bancário.
Aliás, a figura dos cartões de crédito, importada dos EUA , em muito contribuiu para esta realidade, a política do “compra agora sem dinheiro e depois pode ser que consigas pagar”, está na base da ruína económica de muitas famílias, sendo que os bancos têm, em muito, contribuído para isso, em conjugação como os media.
Somos uma sociedade global e cada um de nós, por vezes, perde-se ao pensar no grupo e não em si. “Se aquele pode ter aquele carro, casa, roupa porque razão eu não posso”?
É legítimo querer ter-se mais, almejar melhor. Porém, para tal, temos de ter ferramentas. Ou seja: dinheiro e mentalidade para o gastar, poupar ou investir.
É sobejamente conhecido que o povo português não tem condições.
Tal conclusão ficou demonstrada através de um estudo, levado a cabo pela comissão europeia, que conclui que Portugal é o segundo país com menos literacia financeira do espaço europeu, só ultrapassado pela Roménia, tendo no Podium os países do norte da Europa.
A história demonstra-o.
Após a “troika”, esses agentes maléficos, que nos obrigaram a viver com menos do que gostaríamos, e que teve de atuar porque foi permitido até então, Portugal viver uma falsa realidade de crescimento e fartura económica sustentado pelos créditos bancários aprovados ao desbarato, não sendo os bancos desprovidos de responsabilidade nem os nossos governantes, par e passo com a nossa falta de consciência das nossas contas, retomamos aos poucos o crescimento.
Período pós “troika” de euforia e de algum crescimento económico. Portugal já não era um país de lixo no ranking da Moodys.
Mas, a vida acontece e aparece do nada, uma pandemia mundial: o Covid 19, que dispensa apresentações. Mortes, medo, lay offs, pobreza, aumento de problemas de saúde física e psicológica, criminais e morais.
Depressão económica e inflação a disparar. Expetável para alguém que está atento à temática finanças pessoais ou economia no geral, pois se o dinheiro não circula, desvaloriza e a inflação cresce.
O povo deixou ser destemido e arrojado, para ser revoltado e “subsídio dependente”, pois a maioria nunca quis pensar nos “ses” desta vida: e se isto fechar tudo e não houver empregos? E se eu for despedido amanhã? E se a empresa ficar insolvente? E se me divorcio e a minha vida muda? E se daqui a uns anos não existir segurança social?
Os “ses” desta vida são, muitas vezes, o motor da mudança. Há cinco séculos atrás, aqueles bravos homens pensaram “ e se existir algo para além do que vejo na linha do mar”? “E se me aventurar”? E conquistaram o mundo e estas conquistas nunca serão apagadas da História.
O Covid 19 passou e tudo parecia melhorar. Para quem? Só para os desatentos. Os preços dispararam, a inflação começou a subir e a guerra a leste fê-la disparar num ápice.
A guerra podia não ser expetável, mas a crise financeira era e estava declarada há muito.
Num país sem literacia financeira, desgovernado, com empregos mal pagos e empresários que apenas visam o lucro, só resta ao povo chorar enquanto ouve um fado, ou não fosse este estilo de musica tão triste, um ex-libris desta nação à beira mar plantada.
A carteira de muitos portugueses está a empobrecer a cada dia que passa. Muitos, porque não tomaram as rédeas da sua vida, outros porque foram reféns de enganos e esquemas ardis.
Apenas uma atitude de grande coragem do nosso povo, que requer, inevitavelmente, muita paciência e inteligência, a par de uma atitude séria dos nossos governantes, poderá minimizar os nefastos efeitos da conjuntura económica europeia na sociedade portuguesa, aliviando a insuportável leveza da carteira de todos nós.
Filipa Fraga Gonçalves – Advogada