Penas – Corpo, Espírito e Matéria por Pedro C. Rocha

Penas – Corpo, Espírito e Matéria por Pedro C. Rocha

A natureza dos crimes cometidos e praticados contra as pessoas bem como, os crimes contra o património, com a inerente aplicação de penas por esses actos, é uma temática extremamente discutível, verificando-se a existência de uma multiplicidade de argumentos válidos e acesos, nos mais variados sentidos.

Sé é verdade que se tem verificado um apelo na sociedade civil para a estatuição de penas mais pesadas ou molduras penais mais “gravosas ou pesadas” para crimes cometidos contra as pessoas, não menos verdade, é que tal, têm sido um tema de debate em muitas sociedades, com o objetivo de promover a segurança e a justiça.

A imposição de penalidades “mais severas” para crimes cometidos contra as pessoas, é frequentemente fundamentada na busca por deter a criminalidade e a proteção os indivíduos vulneráveis, ou mesmo da sociedade.

No entanto, é importante considerar diversos aspetos ao abordar essa questão. Como o facto de a determinação de penas mais pesadas dever ser guiada pelo princípio da proporcionalidade, garantindo que uma punição seja adequada à gravidade do crime cometido.

O equilíbrio entre justiça e proporcionalidade é essencial para evitar penalidades excessivamente cruéis.

A expressão penalidades excessivamente cruéis, encontra a sua antítese, ou o seu contra-argumento, perante crimes que causam não danos físicos, mas também emocionais e psicológicos duradouros à vítima, que muitas vezes perduram até ao final da sua vida.

De forma analógica, referencio o crime de Violação, o qual encontra a sua estatuição no artigo 164º.do Código Penal, com uma moldura de pena de prisão até 3 (três), anos de prisão.

Porém o Ordenamento Jurídico Penal Português não contempla a circunstância fáctica e real, de uma tentativa de violação, ou seja, uma não consumação do acto, remetendo tal situação para o disposto no artigo 170º. do Código Penal, com uma denominação de Importunação Sexual, com uma moldura penal enquadrada entre uma pena de prisão até um ano ou com pena de multa.

Por seu turno, num crime contra o património, sendo o mais usual, o crime de furto, o qual encontra a sua estatuição no artigo 203º. do Código Penal, de onde se retira alguém retira coisa de outrem sem recurso a violência, detém uma moldura penal  enquadrada entre 3 (três) anos de prisão ou com pena de multa.

Seguindo o critério jurídico comum e orientador do Ordenamento Jurídico Português nas suas mais variadas ramificações, encontramos, o denominador do Homem Comum, ou o vulgar cidadão da sociedade, que deterá e enfrentará, na sua interpretação, e aplicação sérias dificuldades na aceitação dos enquadramentos legais e sua aplicação.

Perante a subsunção de aplicações de molduras ou penas iguais perante bens ofendidos de natureza diferente, expondo por um lado, que um crime de natureza sexual ser punido de igual ou menor forma, com o furto de bens do interior de um veículo automóvel.

É indubitável para todos os cidadãos que, mesmo nos crimes contra o património, existe uma sensação de devassa da privacidade, da propriedade, de insegurança, de impotência, da remoção de um bem com valor sentimental ou valor patrimonial, mas são bens que fenecem, que se deterioram, que podem ou não ser sucedâneos ou substituíveis ou insubstituíveis.

Porém nos crimes contra as pessoas, as ofensas ou os seus efeitos, persistirão na carne, na mente, no espírito muito para além da sua consumação.

O cidadão comum, quando confrontado com o sistema penal português ficará estarrecido, quando verificar, que na aplicação da medida das penas a aplicar, ou a denominada dosimetria, entrarão em jogo atenuações a esta, conforme decorre do disposto no artigo 72º do Código Penal entre outros, que vão desde uma confissão, como a ausência de registo criminal por factos ilícitos, arrependimento sincero.

Pelo facto de existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena .

O que, citando caso análogo, poderá ocorrer a aplicação de uma pena de multa de forma igual, a um indivíduo que, na sua actuação, ou tentou violar mas não consumou o crime, logo cai assim numa tentativa que não existe, e passa-se para uma importunação sexual, que terá uma moldura penal inferior a quem furtou um computador portátil, ou uma carteira, podendo chegar a uma mera multa. Como apresentar esta realidade para o vulgar cidadão, pugnando por uma aceitação desta realidade?

O aumento das molduras penais é frequentemente uma resposta legislativa a mudanças pretendidas na e pela sociedade, face á perceção pública sobre a gravidade dos crimes. Esse fenômeno reflete uma busca por maior eficácia no combate à criminalidade e uma tentativa de dissuadir comportamentos indesejados.

A sociedade contemporânea enfrenta desafios complexos relacionados à segurança e ao seu bem-estar pessoal e patrimonial, o que muitas vezes se reflete na realização de pressão para que as autoridades adotem medidas mais rigorosas no e do âmbito legal. Crimes violentos, corrupção e outros delitos graves muitas vezes resultam em clamores por uma resposta mais enérgica por parte do sistema de justiça.

A ideia subjacente é que penalidades mais severas sirvam como um elemento dissuasor, desencorajando comportamentos ilícitos. No entanto, a eficácia dessa abordagem é frequentemente debatida, com críticos argumentando que a prevenção do crime não é tão simples e que fatores sociais e econômicos desempenham papéis significativos na determinação do comportamento criminal.

Penas mais graves são frequentemente vistas como uma forma de garantir uma verdadeira e efectiva justiça para as vítimas. Crimes como homicídios, violações, furtos e roubos, deixam um impacto devastador quer nas próprias vítimas como nas suas famílias e áreas territoriais circundantes. A imposição ou estatuição de penas mais severas é percebida como uma resposta adequada e necessária para reconhecer a gravidade do dano causado.

A sociedade buscará assim se proteger contra indivíduos que representam uma ameaça significativa. Com a estatuição de Penas mais graves para os mais diversos crimes, iria visar-se assim, tirar de circulação aqueles que demonstram um comportamento perigoso reiterado ou mesmo único, protegendo assim a sociedade de potenciais reincidentes.

A imposição de penas mais graves também é vista como uma maneira de restaurar a ordem social. A sociedade espera que a aplicação rigorosa da lei sirva como um sinal claro de que certos comportamentos são inaceitáveis, contribuindo assim para a manutenção da coesão social.

Para crimes mais complexos, como corrupção e atividades criminosas organizadas, penas mais graves são defendidas como uma estratégia para dissuadir a participação em atividades ilícitas de grande escala. A ameaça de punições severas pode desestimular a formação e manutenção de organizações criminosas.

Que sociedade pretendemos?

Como deverão ser as penas aplicáveis aos crimes praticados?  São as actuais molduras penais adequadas á realidade da sociedade? As actuais penas aplicáveis são correspondentes face aos actos ou danos praticados contra ou nas vítimas.

Dr. Pedro Carrilho Rocha – Advogado

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