Uma Cegueira Sistémica, por Pedro C. Rocha
Em 07.11.2023, a Procuradoria Geral da República anunciava que o Ministério Público iria iniciar um processo crime no Supremo Tribunal de Justiça.
A seguir à denominada operação Influencer, que levou á demissão do cargo de Primeiro-ministro, o caso dos três arguidos suspeitos de corrupção na Madeira, onde após três semanas de detenção para primeiro interrogatório judicial, a decisão acabou por se pautar pela libertação e termo de identidade e residência; estes factos marcam a segunda vez num curtíssimo espaço de tempo, que o Ministério Público e a própria PGR saem derrotados.
Não irei tecer considerações até porque são processos judiciais que se encontram a decorrer com a sua normal tramitação. Porém, em ambos os casos, se verifica uma característica sistêmica e transversal a todo o tecido institucional, público e corporativo em Portugal.
O XXIII Governo Constitucional, ainda em funções até dia 10.03.2024, pouco tempo volvido sobre a Operação Influencer, coincidência ou não, veio a legislar e aprovar o regime jurídico inédito em Portugal do Lobbying, com salvo modesta opinião, uma tentativa de legitimar à posterior futuras situações análogas.
Concomitantemente, e de forma bastante satírica, constatamos no que concerne ao Processo Judicial da Madeira, uma enorme analogia na forma de actuação.
Por isso, constatamos, inúmeras intervenções realizadas nos e para os média, alimentado uma máquina voraz e sensacionalista, em prole de uma autopromoção, pautada com um falso decoro barroco, face á detenção por um período de 3 semanas dos arguidos. Utilizo a expressão, um falso decoro barroco, não pela ausência de fundamento para a indignação de detenção judicial de cidadãos por períodos superiores a 48 horas, claro, mas sim, pela manifesta hipocrisia de somente se pronunciarem quanto ao tema, quando o mesmo é assoberbadamente mediático.
Esta situação e atuação, é, no mínimo deplorável, e que desde já se profusamente se afirma, que pode e deve ser reportada. Da mesma forma, devem ser acionados os meios, que possam contribuir para evitar tais situações, no que concerne á privação da liberdade e da violação dos direitos dos cidadãos em interrogatórios judiciais que ultrapassam o período das 48 horas.
Milhares de vulgos e anónimos cidadãos, são e foram confrontados com estas duras realidades e acontecimentos analogamente supracitados. Esta realidade não surgiu, qual geração espontânea, muito pelo contrário, já ocorre há vários anos, e longe do imaginário dos media e da população civil em geral. Onde estavam em milhares de processos e de cidadãos envolvidos, as vozes que hoje vociferam a defesa dos direitos dos cidadãos detidos?
O silêncio ensurdecedor de microfones desligados e de teclas imóveis, rasgão o ar.…e porquê? Onde está uma justiça una, imparcial, igualitária e justa, onde, perante, circunstâncias com mediatizações e poderes políticos ou institucionais inerentes ou envolvidos, raramente as medidas de coação mais gravosas, como a prisão preventiva são aplicadas.
Quando nos seus antípodas, vulgos cidadãos tem aplicadas medidas de coação privativas da liberdade, somente por suspeita infundada ou de um erróneo e suposto perigo de fuga ou continuação da actividade criminosa, existem assim, pesos e medidas diferentes, pesos que o cidadão desconhece, a realidade da brandura para alguns e uma severidade ou literalidade espartana para outros.
Será pela mera existência de afetação dos causídicos, ou será pelos representados e o que estes acarretam?
Ademais, não poderá deixar de ser referido o silêncio na sua plenitude do infinito, quando reveladas e denunciadas manifestas violações de segredos de justiça e dos seus intervenientes, andamento das diligências e actos processuais em curso, efetivamente, estranha-se mas não se entranha…ou entranhará?
Por conseguinte, a característica sistêmica e transversal a todo o tecido institucional, público e corporativo em Portugal, é recorrendo aos adágios populares; ” tapar o sol com a peneira “, com pensos rápidos, hemorragias concentradas e esporádicas. Analisa-se o problema específico imediato, somente pela sua mediatização, tentando corrigir, somente aquele problema, quando o mesmo há muito existia, ignorando o universo ou panorama em redor. Tal premissa e raciocínio é aplicável em todas as áreas, desde a saúde (epidemia Sars COVID), habitação, educação, segurança, previdência, etc, falando….
Porém, Portugal é na verdade, um dos países com maior inovação legislativa a nível Mundial, o que, sem dúvida, constitui motivo de orgulho, todavia, essa mesma inovação, chama-se muitas vezes de verborreia legislativa, legisla-se demais sobre inúmeras matérias, muitas vezes mal e sobre o que não se sabe, não ser passível de ser aplicável na realidade fáctica, ou desfasada da mesma, criação de Balcões inúteis ou tendencialmente burocráticos e ostracizadores.
Há por uma vez, que parar, ponderar, refletir, respirar e olhar para um todo, para o panorama geral, para um sistema, identificar as falhas, as lacunas no seu contexto sistemático por forma a efetuar uma verdadeira e real acção de mudança, não somente quanto, ou, em acontecimentos circunscritos.
Será que, é uma síndrome nacional, pensar e agir, somente quanto às necessidades no imediato e não no problema sob uma óptica de sistema no seu todo? Existirão dois pesos e duas medidas, diferenciadoras face cidadãos heterogéneos? Despeço-me com um velho provérbio chinês:
“Há três coisas que jamais voltam: a flecha lançada, a palavra dita e a oportunidade perdida.”
Dr. Pedro Carrilho Rocha – Advogado